Arthur, amor lindo, amor eterno
Todos têm rituais para as mudanças. Ou para marcar momentos
importantes. Marcar o corpo, pra mim, é um desses sinais visíveis de algo
importante.
Daí que quando tive um filho, voltou a ideia de uma nova tatuagem.
Eu estaria celebrando o maior marco na história da minha vida.
Não sei para outras pessoas, mas pra mim, a tatuagem carrega
a dualidade da responsabilidade: ao mesmo tempo diz da importância de se
escolher e da necessidade de se lidar com a escolha, já que ela (a tatuagem),
no geral, não sai com tanta facilidade. Mas isso é exatamente o que me fascina
na tatuagem: ela marca, visivelmente, definitivamente, ao revés de quase tudo –
o tempo, a idade, a sociedade...
Pesquisei por desenhos. E nada me servia. Não era uma frase,
não era um símbolo ou uma flor ou um animal. Não era colorido, nem preto e
branco. Achava que era cansaço, deixava a tarefa da escolha para outro dia,
mas, de novo, nada me satisfazia. Numa última tentativa, voltei ao inicio,
tentando fazer uma espécie de briefing da nova tatuagem, imaginando o que ela
deveria ter, o que ela significaria, o que ela marcaria, o que responderia.
De repente, então, eu entendi. Eu não encontrava um desenho
porque eu não precisava. Porque eu já estava tatuada. E de tantas e tais formas
que eu nunca imaginei que pudesse estar.
Meu filho veio ao mundo através de uma cesárea. Os tempos
estão evoluídos, sim, e pelo que pude perceber, se ficar uma cicatriz, ela será
muito sutil. Mas o que eu não vejo eu sinto: nas bordas do corte, há uma
dormência levíssima que não passa, como se aquele pedaço jamais mesmo pudesse
ser meu novamente. Os quadris se alargaram e, por mais que se emagreça, a
circunferência jamais será a mesma. Os peitos são maiores, mas menos
tonificados, vazios do leite que secou.
Mas todos esses traços marcados em mim não suplantam o que é
talvez a maior marca de todos os tempos: a existência do filho. Ver, descolado
de si um pedaço que é também você, é a maior tatuagem que se pode fazer. Por
vezes, o vínculo e o amor tornam-se tão contundentes que tenho a impressão de
que até minha alma esteja marcada.
E diante de tamanho registro, um traço na pele, de repente,
me soa tão fátuo quanto um bocejo. Eu vivo em outra pessoa, que saiu de mim. Eu
vivo em outra pessoa. Minha alma tem em si essa experiência. Essa é minha mais
nova marca.
E, nossa, como ela é linda e única e diz tudo e muito mais
em si.
Line Man - Mister Kha
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Comentários
Você é uma mãe e tanto. Eu também tatuarei o que o meu filho significa para mim, quando ele vier ao mundo.
Abraços.
mas acho que meu filho me ensinará a ser melhor do que eu acho que consigo...