A vida, o luto, a luta, o descobrir, a vida.
Viver ainda é o desafio maior. Viver é ao mesmo tempo viver e ver. E a vida é dada a cada um. E a vida é sempre infinita.
Mas ser mãe foi a coisa mais extrema que me aconteceu. Equivale apenas àquele abandono que sentimos quando descobrimos que somos sós.
Hoje eu percebi isso de novo, lendo este texto, que copio aqui, pra não perdê-lo e sempre poder encontrá-lo e lê-lo novamente:
Imagine-se em um lugar inteiramente novo: pessoas
desconhecidas, cheiros, gostos e sons inteiramente novos, uma língua que você
ainda precisa aprender a falar e compreender, lugares misteriosos e caminhos
que podem ser interessantíssimos e cheios de descobertas e aprendizado, mas
você não tem a menor ideia de onde é que vão te levar.
É como uma viagem a um destino inédito: experimenta-se o
susto pela novidade, pelo mistério, pelo desconhecido. Mas também a expectativa
e a maravilha de olhar algo fresco, de se entregar a algo que não sabemos o que
será, mas intuímos que será bonito, revolucionário, transformador.
Assim é o mergulho na maternidade, quando da chegada do
primeiro filho. De repente e de um modo às vezes assustador, a vida passa a ser
outra. Uma vida que desconhecemos e exige de nós muita mudança e muita coragem.
É uma realidade inteiramente nova, a acontecer de modo totalmente desconhecido
e misterioso, e para vive-la intensamente, precisamos nos despir de tudo o que
antes sabíamos, desejávamos, planejávamos e acreditávamos, para acolher novos
saberes, novos desejos, novos planos e novas crenças. Em verdade, precisamos
abrir os braços, a mente e o coração não só para fazer coisas novas, mas para
sermos inteiramente novas.
E se há que se abrir espaço para o novo, é preciso deixar que o velho se vá, deixe
de existir e vire poeira na estrada, recordação na memória, história para se
contar. Se precisamos ser novos, é indispensável deixar que o que fomos antes
se despeça, pereça, e deixe de existir.
O conceito de ‘morte’ costuma nos soar assustador, e por
isso costumo receber olhares surpreendidos quando falo do ‘luto pós-maternidade’.
Mas ele existe, é real e precisa ser olhado de frente. Nascem nossos filhos, e
morre uma era: morrem prioridades das quais não poderemos dar mais conta, morre
um certo tipo de liberdade que não voltaremos a ter (embora possamos descobrir
muitas outras, tão lindas quanto ou até mais), morre uma rotina que não
acontecerá mais, morrem planos que não conseguiremos mais realizar (mas
nascerão outros, mais afinados com quem passamos a ser), morre um egocentrismo
que não conseguiremos mais alimentar, morre o direito a nos considerarmos o
centro absoluto de todas as escolhas e decisões.
A revolução pela maternidade pode ser fantástica – e quase
sempre é, quando há entrega e o amor e o desejo de viver a experiência
intensamente estão presentes. Mas ela é também um tanto aterrorizante, como
qualquer revolução – porque traz a mudança, o novo, o desconhecido. Quando nos
tornamos mães, a vida nos exige um desapego tremendo de tudo o que foi vivido
antes – na verdade, quando temos um filho, a vida nos exige que nos
desprendamos da pessoa que fomos até ali. E quando aceitamos fazê-lo, precisamos
despedir-nos desta pessoa com muita calma, como nos despedimos de um ente
querido que encerra sua jornada neste mundo – e finda esta despedida, se a
vivenciarmos sem culpas e sem pressa, talvez possamos permitir verdadeiramente
que ela morra para dar lugar ao novo.
A maternidade é, em
última instância, a um só tempo um nascimento e uma morte: nasce um bebê, uma
mãe e uma nova vida, e morre alguém que nos acostumamos a ser, alguém de quem
gostamos por muito tempo e que em algum momento acreditamos que seríamos para
sempre. Enquanto acolhemos um novo ser nos braços, outro está morrendo – e é
preciso olhar para esta morte, acolhê-la com carinho, chorá-la o tanto
necessário, nem uma lágrima a menos, sem pudores e sem remorso.
Só quem vive corajosamente e de olhos bem abertos a morte do
que deixou de ser pode abrir-se de fato para o que virá. A dor existe, é
legítima. E como nos partos naturais, ela não é vilã, mas companheira – quando
recebida com valentia e sem subterfúgios, ajuda-nos a crescer e nos faz mais
preparados para o que há pela frente, neste novo mundo misterioso que temos
tanta sede de conhecer.
Esta é a dinâmica da vida: coisas acabam, para que outras
comecem. Coisas morrem, para que outras nasçam. E assim acontece, também
conosco: morremos quem fomos para dar lugar a quem seremos.
A maternidade, o luto e a vida nova
Renata Penna em Mamíferas
Renata Penna em Mamíferas
Comentários
Abraços.
Abraço e tô adorando sua casa nova!