Naufragar é preciso
(IMPORTANTE: Algumas informações aqui podem ser consideradas spoiller se você não viu o filme "O náufrago")
Eu devo estar ficando velha, porque começo a esquecer se já escrevi sobre determinado tema por aqui (eu sei que é “só pesquisar naquele campinho ali em cima, ó”, mas é o sentimento de possíveis looping e falta de novas referências que me incomodam mais que tudo).
Um dos filmes que eu gosto muito de ver é O náufrago. O filme em si, a estória dele, não tem nada de muito espesso, mas ele levanta algumas discussões absolutamente aterradoras. Por exemplo, a questão das prioridades que temos na vida e como agendamos as importâncias no nosso cotidiano. E isso fica mais evidenciado quando vemos que a personagem vivida por Tom Hanks trabalha na FedEx, pra quem cada segundo conta. Mas, como bem cita o Pablo Villaça (1) “o tempo, que sempre lhe pareceu curto, é tudo o que ele tem agora. Perdido em um ambiente hostil, ele volta ao terror da infância, onde qualquer barulho estranho pode representar um perigo e tudo o que acontece é, de certa forma, uma descoberta.” Ou seja, na ilha, ele é obrigado a se haver consigo e só consigo. É obrigado a pensar e repensar, inúmeras vezes, no que raios, uma vida deve conter. Isso, no meio de um processo duro de sobrevivência. Mas o ponto que eu acho de significação e hostilidade ainda maiores é a volta dele à vida na cidade. No filme, é flagrante como ele já não cabe mais nas roupas que sempre vestiu. Ele, que sempre esteve em trânsito, aparece visivelmente deslocado num avião. E apesar do alívio de estar novamente entre outras pessoas, o rosto da personagem de Tom Hanks não consegue exibir uma felicidade completa. Antes, tem um misto de tristeza e alívio e uma quase felicidade. Tudo que ele quer é encontrar sua mulher, mas ela, compreensivelmente, arrazoadamente, depois de tanto esperar e procurar em vão, casou-se de novo e parece já naturalmente adaptada a outra vida, ainda mais distante e estranha à vida que tinham antes do acidente que resultou no afastamento de ambos. Cinco anos somente. Mas suficientes para dessignificar toda uma existência (apesar de que, relativamente, cinco anos de uma vida corrida passam rápido, mas cinco anos no deserto de uma ilha, passam por dez, vinte...). Nem os ideais da personagem de Tom Hanks – ele faz questão de trazer da ilha os objetos que ficaram perdidos e nunca foram entregues aos destinatários) – parecem fazer mais sentido. E essa, talvez, acaba por ser a parte mais dura do filme, mesmo tentando ser a mais esperançosa: ao colocar a personagem principal numa encruzilhada, existe a tentativa de mostrar que há, sim, várias alternativas. Mas ao mesmo tempo, significa dizer que ele está, de novo, no início de suas escolhas. Porque, agora, ele foi obrigado, pela fatalidade que lhe aconteceu, a repensar todos os seus caminhos. Mas principalmente, ele, agora, vai ser obrigado a se reinventar para poder viver. E é nisso que eu acho que o filme brilha: porque ele denota o que de fato tem que acontecer num processo de significação da vida: pra mudar, temos antes que parar, desconstruir, refletir, pra depois avançar. E, mais importante: devemos aprender, de verdade, a conviver e respeitar o tempo, esse, talvez o maior dos senhores da vida.
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1) Crítica do filme “O Náufrago” no site Cinema em Cena: http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/filme/ver.php?cdfilme=460
Eu devo estar ficando velha, porque começo a esquecer se já escrevi sobre determinado tema por aqui (eu sei que é “só pesquisar naquele campinho ali em cima, ó”, mas é o sentimento de possíveis looping e falta de novas referências que me incomodam mais que tudo).
Um dos filmes que eu gosto muito de ver é O náufrago. O filme em si, a estória dele, não tem nada de muito espesso, mas ele levanta algumas discussões absolutamente aterradoras. Por exemplo, a questão das prioridades que temos na vida e como agendamos as importâncias no nosso cotidiano. E isso fica mais evidenciado quando vemos que a personagem vivida por Tom Hanks trabalha na FedEx, pra quem cada segundo conta. Mas, como bem cita o Pablo Villaça (1) “o tempo, que sempre lhe pareceu curto, é tudo o que ele tem agora. Perdido em um ambiente hostil, ele volta ao terror da infância, onde qualquer barulho estranho pode representar um perigo e tudo o que acontece é, de certa forma, uma descoberta.” Ou seja, na ilha, ele é obrigado a se haver consigo e só consigo. É obrigado a pensar e repensar, inúmeras vezes, no que raios, uma vida deve conter. Isso, no meio de um processo duro de sobrevivência. Mas o ponto que eu acho de significação e hostilidade ainda maiores é a volta dele à vida na cidade. No filme, é flagrante como ele já não cabe mais nas roupas que sempre vestiu. Ele, que sempre esteve em trânsito, aparece visivelmente deslocado num avião. E apesar do alívio de estar novamente entre outras pessoas, o rosto da personagem de Tom Hanks não consegue exibir uma felicidade completa. Antes, tem um misto de tristeza e alívio e uma quase felicidade. Tudo que ele quer é encontrar sua mulher, mas ela, compreensivelmente, arrazoadamente, depois de tanto esperar e procurar em vão, casou-se de novo e parece já naturalmente adaptada a outra vida, ainda mais distante e estranha à vida que tinham antes do acidente que resultou no afastamento de ambos. Cinco anos somente. Mas suficientes para dessignificar toda uma existência (apesar de que, relativamente, cinco anos de uma vida corrida passam rápido, mas cinco anos no deserto de uma ilha, passam por dez, vinte...). Nem os ideais da personagem de Tom Hanks – ele faz questão de trazer da ilha os objetos que ficaram perdidos e nunca foram entregues aos destinatários) – parecem fazer mais sentido. E essa, talvez, acaba por ser a parte mais dura do filme, mesmo tentando ser a mais esperançosa: ao colocar a personagem principal numa encruzilhada, existe a tentativa de mostrar que há, sim, várias alternativas. Mas ao mesmo tempo, significa dizer que ele está, de novo, no início de suas escolhas. Porque, agora, ele foi obrigado, pela fatalidade que lhe aconteceu, a repensar todos os seus caminhos. Mas principalmente, ele, agora, vai ser obrigado a se reinventar para poder viver. E é nisso que eu acho que o filme brilha: porque ele denota o que de fato tem que acontecer num processo de significação da vida: pra mudar, temos antes que parar, desconstruir, refletir, pra depois avançar. E, mais importante: devemos aprender, de verdade, a conviver e respeitar o tempo, esse, talvez o maior dos senhores da vida.
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1) Crítica do filme “O Náufrago” no site Cinema em Cena: http://www.cinemaemcena.com.br/plus/modulos/filme/ver.php?cdfilme=460
Comentários
Mas acho que o maior problema é a solidão da história toda. Repare como o filme é feito de silêncios extremos. E o Wilson servindo de única companhia para um homem que não tem para onde ir - e cuja sobrevivência depende de sua lucidez.
Muito filosófico. Mesmo.
Abraços.
Mas tem um ponto interessante e que me assustou muito que é o fato de 5 anos de passarem tão rápido e, ao que parece, bem, mesmo assombrados por essas duas coisas pesadíssimas, a solidão e a loucura. Podería-se pensar que, sim, o tempo é o que fazemos dele, com mais ou menos dor, mais ou menos reflexão, enfim.
Cara, e ainda deve ter muito mais.
Olha, outro filme que eu gosto muito e que acho também cheio de significados é Contato. Já falei sobre ele algumas vezes aqui.
Abraços!