O que sobrou?


Estamos em 2007, no século XXI. No passado, milhares de previsões muito provavelmente viam um tempo melhor. E se pensarmos de onde o homem veio, lá em sua barbárie histórica, tudo indicaria que o futuro seria melhor. Sim, por exemplo, pensemos num feudo. Estão lá no século XI, dezenas de pessoas confinadas, casas feitas de pedra, frias, aquelas roupas grandes e pesadas, tanto para homens quanto para mulheres, os espaços livres com chão de terra e aí aquela barrela nas chuvas e o pior, o pior: uma fossa no meio do feudo (imagina a fragrância). Estão dentro do feudo porque lá fora os tempos são ruins, há bárbaros arruaceiros (nossa essa palavra talvez nem existisse!) espalhando a dor e a miséria. E lá dentro do feudo, a manufatura, o ferreiro, o carpinteiro, o agricultor e a fossa. Todo o sonho se resumia a novamente circular em campo aberto, viver na sua própria terrinha, poder visitar os amigos quem sabe.
Passam os séculos e os bárbaros como tais devem ter sido vitimados por seu próprio lifestyle. E lá fora, não é só a liberdade que vale, vale o comércio. E aqueles muros eram altos demais, entraves absurdos e insustentáveis já que mantinham separados os dois maiores amantes que existirão dali em diante: o produto e o CONSUMIDOR.
Ah, o consumidor. O consumidor que ainda não sabia que assim se chamava, um dia, dá uma espiadinha pra fora da casa, já que dentro da casa estava há muito sem graça, né Bial? E sai do feudo mastigando seu raminho de grama e aí, pum. As coisas mudaram. Que plantar que nada! Trocar? Mas eu não quero milho eu quero aquela pele ali. E com aqueles pedacinhos de metal ele tinha milho, peles, carne, e até diversão.
Aí ele nunca mais voltou ao feudo. Até hoje. Dez séculos depois estamos aí de novo com nossos feudos. Um lá na favela: centenas de pessoas protegidas por um soberano armado. Ah e eles ainda têm direito à fossa, agora sob a forma moderna do esgoto corrente, ou do lixão. O outro, ou melhor, os outros ainda são sob duas formas: o pessoal com mais pedacinhos de metal ajuntou-se em feudos que o marketing chama condomínios; Os que não puderam, pela contagem das patacas, adentrar nos condomínios vivem em feudos chamados bairros de classe média alta e média, mas detalhe: todos deram um jeito de serem de alguma forma donos de seus pequenos feudos. Neles há dois tipos de soberanos protetores, a vigilância pública e a privada, num exemplo moderno de aproveitamento de contingente dissidente da vigilância pública.
Espera: mas quem são os bárbaros? Quem é a ameaça?
Ah, pois é. Depois das patacas de metal houve uma pequena confusão. Quem tem pataca está no feudo quem não tem... Não, mas tem o feudo favela... Bem, hoje é assim: quem tem pataca vive no feudo sem fossa, consome produtos e pode até circular - armado, olha a evolução - em campo aberto. Claro, desde que o feudo favela não decrete o fechamento de portas. Quem não tem pataca ainda consome - olha a evolução de novo! - mas ou consome pouco ou tem que, digamos, inventar outros modos, chamados bárbaros (!) pra adquirir pataca que adquire produtos. Porque convenhamos, viver com uma fossa no meio do feudo é uma coisa muito atrasada, muito...Bárbara. Então os sem-pataca são os bárbaros? Bom, teoricamente, eles são os off-feudo, já que feudo, feudo de verdade é o feudo dos com-pataca.
Bom, dez séculos depois, então, bárbaro é quem não tem pataca, mora dentro de um feudo de um cara poderoso e que tem fossa.
Notou alguma semelhança?

Comentários

fernanda disse…
e eu comecei o post de hj falando de bárbaros...
Marti disse…
Oi! Sou a Drosófila lá dos virunduns e tô rindo muito da sua versão de Açaí, até porque a letra "correta" que você postou tá errada! AhuaHUuhAhuA! Não é "Açaí, guargião/ luz de besouro um ímã", é "Açaí guardiã, zum de besouro, imã"!

=)
shikida disse…
http://cegosurdomudo.blogspot.com/2007/04/milionrios-e-seus-bunkers-de-luxo.html

;-)
rOsI disse…
Caramba... que vergonha hahahaha

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